quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A primeira vez a gente nunca esquece - Juiza pede desculpas por erro cometido


A primeira vez a gente nunca esquece...

Hoje, em audiência na 3a. Vara Cível de Diadema, a juíza CINTIA ADAS ABIB pediu desculpas a mim e a minha cliente por um erro no processo, que foi cometido pelo seu cartório, por não ter intimado a parte contrária da realização daquela audiência.

Apesar da minha cliente e eu termos saído no prejuízo, pois teremos que voltar mais uma vez ao fórum para nova audiência, foi muito bom ter presenciado este ato de dignidade e humildade da magistrada.

Esta é a primeira vez em 30 (trinta) anos de advocacia que presencio uma magistrada apresentar um pedido de desculpas e de reconhecer um erro do Poder Judiciário.

Oxalá sirva de exemplo para que os Tribunais passem doravante a se desculpar com os jurisdicionados pelos atrasos e erros nos processos. Afinal, o papa já fez isto para judeus, mulheres, crianças vitimas de abuso etc (falta ainda pedir desculpas aos gays - LGBT).





O então presidente Lula pediu desculpas pela escravatura em visita ao Senegal e outros lideres mundiais também já pediram desculpas por atos de injustiça cometidos por seus países. 



O Poder Judiciário do Chile já pediu desculpas pelas suas omissões durante o período da ditadura de Pinochet. Reconhecer os próprios erros torna as pessoas e as instituições maiores ..... e não mais fracas. 






domingo, 8 de fevereiro de 2015

UMA BOMBA NA CASA DE WILMA - A FACE DA HOMOFOBIA NO BRASIL

DIREITOS HUMANOS NO BRASIL 2014

Artigo publicado no Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos -  (arquivo com relatório integral - clique aqui)


Em 2013 foram documentados 312 assassinatos de gays, travestis e lésbicas no Brasil, incluindo uma transexual brasileira morta no Reino Unido e um gay morto na Espanha. Um assassinato a cada 28 horas!





 Uma bomba na casa de Wilma: a face da homofobia no Brasil

Eduardo Piza Gomes de Mello*

A bomba caseira
Na madrugada de 13 de novembro de 2013, por volta das três e meia, quando Wilma já tinha levado suas cachorrinhas até o quintal e retornado para seu quarto pensando em retomar o sono, um objeto caiu em seu quarto, atirado pela janela. Era uma bomba caseira, arremessada da rua. Explodiu imediatamente, lançando estilhaços que atingiram seu rosto, garganta e peito.

Wilma desmaiou. Recorda que só retomou os sentidos dois dias depois, 15 de novembro, no Hospital Cema, na Mooca. Foi quando soube que os estilhaços que atingiram seu olho esquerdo haviam provocado a perda da visão, para sempre.
Foram lavrados dois boletins de ocorrência no 10º Distrito Policial de Cangaíba, bairro da Zona Leste, na periferia de São Paulo. Ficaram registrados com os números BO 13126 e BO 13128/2013. Depois foi iniciada a investigação do crime, a cargo da delegacia especializada em repressão aos delitos de intolerância, a Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Raciais e de Delitos de Intolerância (Decradi). Trata-se do Inquérito Policial 151/2013.

Wilma permaneceu internada até o dia 17. E logo em seguida, no dia 18, submeteu-se a exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML). Também prestou esclarecimentos na Decradi em 3 de dezembro, e disse à autoridade policial que desconfiava que alguns de seus vizinhos teriam lançado a bomba.

Em 16 de dezembro foram ouvidas as testemunhas Rogerio, Gisele e Ricardo, seus amigos, que a socorreram após a explosão, e sua irmã Sueli. Rogerio declarou que Wilma tinha alguns desafetos entre seus vizinhos e que já presenciara discussões entre eles. A irmã, Sueli, contou que permaneceu na casa de Wilma durante quatro dias, aguardando a visita de peritos policiais, para a análise dos estilhaços da bomba. Chegou a ligar várias vezes para o 10º DP e para o Instituto de Criminalística, pedindo a presença dos peritos. Como ninguém apareceu até 17 de novembro, decidiu limpar a casa, preparando-a para a volta da irmã.

Tanto Rogerio como Sueli declararam ter visto pedaços de cabo de vassoura no interior do quarto e do lado de fora da casa, o que poderia ser parte do artefato que explodiu.
Ricardo, outra testemunha, disse que viu a janela projetada para dentro do quarto em razão da explosão da bomba e que Wilma estava muito machucada. Ele disse em seu depoimento que acredita que a amiga foi vítima de homofobia.

Gisele, esposa de Ricardo, contou que é amiga de Wilma desde quando eram crianças e que a socorreu na noite da explosão. Lembrou dos ferimentos que apresentava no rosto, pescoço, peito, olhos e braço e que a casa estava destruída. Também assinalou que Wilma enfrentava problemas com um vizinho, que teria matado um dos cachorros dela.
Contou ainda que Wilma havia recebido uma carta anônima, ameaçando-a de morte até o mês de dezembro.

A ameaça de morte não era uma fantasia. De fato, Wilma já havia ido cinco vezes ao 10.º DP apresentar queixas contra seus vizinhos, alegando ameaças e injúrias contra ela. Os boletins revelam um longo histórico de conflitos, no qual ela aparece reiteradamente na qualidade de vítima e ofendida. O primeiro deles foi registrado em 2008, cinco anos antes da explosão. A lista toda é a seguinte:
1. Boletim 6349/2008, 10º DP – Wilma vitima de lesão corporal e injuria;
2. Boletim 900414/2010 10º DP – Wilma sofre ameaça, acusado mostra arma de fogo na cintura;
3. Boletim 9443/2012 10º DP – Wilma sofre ameaça e injuria;
4. Boletim 10004/2013 10º DP – Wilma sofre ameaça e injuria e
5. Inquérito Policial 116/13 – DECRADI Quando se observa com atenção o Inquérito Policial 151/2013, que apura a explosão da bomba que cegou Wilma, é possível perceber que o Instituto de Criminalística, apesar de oficiado, não realizou a perícia no local (fls. 85, 105, 167 e 171/172).

Quanto à carta anônima que lhe fora enviada depois da explosão da bomba, esta foi juntada aos autos do inquérito. As pessoas suspeitas de serem autoras da carta foram intimadas a comparecer e prestar esclarecimentos à policia.

Todos os suspeitos negaram autoria do crime de lesão corporal dolosa. Afirmaram que “ignoravam” que Wilma era “homossexual” e que ela tinha muitos desafetos. Uma das suspeitas chegou a afirmar que Wilma fora vista manuseando pólvora na calçada defronte a sua casa dias antes da explosão da bomba. Até indicou o nome de outro suspeito que teria presenciado a cena. Este suspeito, porém, negou.

Passados mais de oito meses, a autoridade policial responsável pelo caso, na delegacia especializada em combater delitos de intolerância, redigiu um relatório final, encerrando as investigações, sem apontar nenhum culpado. Na verdade, o relatório, com data de 27 de julho de 2014, não tem sequer prova da ocorrência do crime, uma vez que não consta dos autos o laudo do exame pericial do local, comprovando a explosão. O único fato incontestável é a perda da visão de Wilma.

O promotor público José Baso Junior, porém, não se conformou com o relatório que recebeu. Após analisa-lo com atenção, devolveu às autoridades policiais, pedindo novas diligências, entre elas o laudo de exame de corpo de delito; o laudo perinecroscópico buscando vestígios; e a elaboração de confronto grafotécnico entre as grafias dos suspeitos e as grafias da carta anônima de ameaça.





Wilma, de bancário a auxiliar de enfermagem transexual

Wilma nasceu e foi registrada e batizada como Wilson há 59 anos, no bairro de Cangaíba, o mesmo local onde reside. Aposentou-se há 8 anos como técnica de enfermagem, servidora pública estadual do Hospital das Clínicas.

Ela estudou enfermagem na Faculdade Farias Brito em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. Durante os 28 anos de trabalho como técnica de enfermagem afirma que não sofreu discriminação. Possuía, no entanto, dois crachás: um com o nome do registro civil, para identificação burocrática e movimentação bancária; e outro com o nome social, que usava no atendimento ao público e nas atividades ao lado dos médicos. “Naquele tempo isto era uma raridade”, conta ela, referindo-se ao tratamento singular.

Wilma refere-se de maneira afetuosa ao cardiologista Euryclides de Jesus Zerbini, o doutor Zerbini, autor do primeiro transplante de coração no Brasil, com quem trabalhou. Diz que sempre foi tratada com respeito e que certa vez foi personagem de uma reportagem na revista Manchete, como a “instrumentadora do ano.”

Conta que sempre teve apoio de sua mãe. Certa vez, quando seu pai quis expulsá- -la de casa por ser transexual, a intervenção da mãe foi definitiva: “Quer que ela saia? Vá você. Minha filha fica.”

Aos 20 anos, quando trabalhava como bancária numa agência do Bradesco, no bairro da Liberdade, na região central de São Paulo, tinha que vestir terno e esconder os cabelos longos. Enrolava-os com uma touca e cobria com uma peruca. Não conseguiu, porém, manter a farsa por muito tempo.

Incomodada, pediu ao gerente para ser demitida. Queria sacar o Fundo de Garantia (FGTS) para se dedicar à enfermagem. A recusa do gerente ao seu pedido levou-a a uma atitude corajosa e desafiadora: soltou o cabelo, vestiu uma saia xadrez com pregas, calçou um sapato de salto alto e foi trabalhar. Deu certo: em menos de 24 horas estava demitida.
Somente depois que se aposentou e passou a conviver mais assiduamente com os vizinhos do bairro foi que sentiu a hostilidade e o preconceito contra sua identidade de gênero. Wilma não é uma profissional do sexo, não está sujeita à violências das ruas e tem uma situação estável do ponto de vista econômico, social e afetivo. Mesmo assim, tem sido vítima de agressões dos vizinhos.


Uma cidadã desprotegida

Corajosa e altiva, ela já denunciou esses fatos às autoridades, como foi narrado aqui. Os instrumentos legais de proteção e segurança policial oferecidos pelo Estado, no entanto, não se mostraram eficientes para defender e tutelar uma cidadã transexual. Embora integrada aos meios produtivos e de consumo, ela não desfruta de garantias constitucionais de proteção aos direitos humanos.

Wilma tem buscado apoio na estrutura policial desde 2008, procurando proteger sua integridade física e moral em face da violência transfóbica.

Após as exigências do Ministério Público, a apuração no Inquérito Policial 151/2013 passou a focalizar a ocorrência de lesão corporal dolosa com maior atenção. Até então a polícia havia deixado passar em branco os laudos periciais no local do crime e a apuração da autoria da carta anônima.

Os suspeitos alegaram até que não sabiam que Wilma era “homossexual”, apesar da vítima residir no bairro há mais de 50 anos e dos incidentes relatados nos boletins de ocorrência anteriores, com seus nomes citados.


A criminalização da homofobia

A história de Wilma não é um caso isolado. Reflete um quadro de violência que se repete em todo o país, decorrente em grande parte da inexistência de uma lei que criminalize diretamente a homofobia, reivindicada há anos pela comunidade formada por lésbicas, gays, bissexuais e transexuais, mais conhecida pela sigla LGBT.

Em 17 de dezembro de 2013, quase na mesma data em que Wilma perdeu a visão em decorrência do ataque à sua residência, o senado atropelou mais uma vez os anseios desse grupo. Foi quando a Comissão de Direitos Humanos, ao tratar da questão do PLC 122, que propõe a criminalização da homofobia, equiparando-a ao racismo, votou pelo apensamento do projeto a um outro debate, muito mais amplo, que é o projeto de alteração do Código Penal.

Isso significa que o PLC 122 deixou de tramitar isoladamente, como vinha ocorrendo há dez anos. Foi uma estratégia para postergar ainda mais a discussão, uma vez que o projeto de reforma do Código Penal não deve ser discutido nem votado a curto ou a médio prazo. Foi também a sinalização do desinteresse do governo federal e da maioria dos partidos políticos pela questão da criminalização da homofobia.


Violência permanece e governo não reage

Segundo dados registrados pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, foram assassinadas 310 pessoas em 2012 por motivação homofóbica (1). Outro levantamento, realizado pela organização não governamental Grupo Gay da Bahia (GGB) – traz números igualmente alarmantes sobre crimes homofóbico (2).

Segundo esse relatório, “em 2013 foram documentados 312 assassinatos de gays, travestis e lésbicas no Brasil, incluindo uma transexual brasileira morta no Reino Unido e um gay morto na Espanha. Um assassinato a cada 28 horas!”

Ainda segundo o GGB, houve um pequeno decréscimo (- 7,7%) no número de assassinatos, na comparação com o ano anterior. Numa perspectiva histórica mais longa, porém, o que se observa é uma tendência ao crescimento da violência. Embora o número de homicídios tenha caído, como registrou o GGB, a violência geral contra LGBT aumentou. O serviço de Disque 100 do Governo Federal também registra esta tendência.
O governo da presidenta Dilma Rousseff manteve uma atitude errática em relação à pauta do movimento LGBT. Ora criou embaraços para ações em favor de políticas para a educação e combate à homofobia, inclusive influenciando negativamente junto ao Congresso para retardar o debate e a votação da criminalização da homofobia; e ora procurou promover no exterior a imagem do Brasil como país que dedica esforços ao combate à homofobia. Liderada pelo Brasil, uma resolução foi aprovada na Organização das Nações Unidas (ONU) em 26 de setembro de 2014, introduzindo de forma definitiva o debate sobre a violência homofóbica na agenda das Nações Unidas. Na prática, o documento transforma a ONU em um instrumento para expor e denunciar governos que criminalizam a homossexualidade (3).


Campanha presidencial de 2014

A pauta LGBT ocupou um espaço relevante na campanha presidencial do segundo semestre de 2014. A candidata Marina Silva, do PSB, surpreendeu a todos quando apresentou, em agosto, no bojo de seu programa de governo, um capítulo no qual prometia se empenhar na defesa de todas as reivindicações básicas do movimento social e da comunidade LGBT. Porém, a reação contrária das lideranças evangélicas fundamentalistas, levaram-na a alterar o programa em menos de 24 horas após seu lançamento. Diante das ameaças de perda de voto dos evangélicos, que constituem uma fatia importante de seu eleitorado, conforme apontam pesquisas eleitorais, ela preferiu não se comprometer com a defesa do casamento igualitário, da criminalização da homofobia e da aprovação de leis para facilitar a alteração do registro civil de nome e sexo de transexuais e travestis. A candidata alegou que havia ocorrido um erro na edição do programa.

Outro caso que teve destaque foi o que envolveu o candidato à presidência da República pelo PRTB, Levy Fidelix. Ao fazer considerações claramente homofóbicas e ofensivas aos LGBT e à união entre pessoas do mesmo sexo, durante um debate entre os candidatos, em rede nacional de televisão, em 28 de setembro, ele provocou uma onda de indignações e protestos. Um dia depois de suas declarações, nas quais se incluíam incitações ao enfrentamento dos homossexuais, cerca de quatro mil pedidos para processá-lo haviam sido encaminhados Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. O candidato disse, literalmente:

“Tenho 62 anos, pelo que eu vi na vida, 2 iguais não fazem filho, e digo mais, aparelho excretor não reproduz. Não podemos jamais deixar que tenhamos esses que aí estão fazendo, escorando essa minoria à maioria do povo brasileiro. Eu como pai, avô, que tem vergonha na cara, ensinar os seus filhos e netos. Eu vi agora o Papa expurgar o padre pedófilo. Então, eu lamento, que façam bom proveito, mas como presidente, eu jamais vou estimular essa prática. Você já imaginou se come- çarmos a estimular isso aí, vamos reduzir a população brasileira pela metade. Vamos enfrentar esse problema. Essas pessoas que têm esses problemas que sejam atendidos por ajudas psicológicas, mas longe da gente.”

Procurada por jornalistas e entidades de defesa dos direitos humanos, sobre a possibilidade de cassação do registro da candidatura do representante do PRTB, a Procuradoria Geral Eleitoral do Ministério Público Federal respondeu que ele não havia violado nenhuma norma da legislação eleitoral. Se houvesse a tipificação do crime de homofobia, informou-se também, o candidato poderia perder o registro.


Estrutura seletiva de defesa de LGBT

A narrativa do caso de Wilma neste relatório tem por fim deixar exposta a ineficiência do aparato policial na apuração de casos que envolvem violência contra transexuais, travestis, gays e lésbicas.

A falta de uma legislação específica sobre criminalização de homofobia foi totalmente irrelevante, uma vez que sequer houve preocupação em realizar perícia no local da explosão da bomba, independentemente da incidência de motivação homofóbica. Nem a lei penal geral chegou a ser observada no caso dessa cidadã, como se não tivesse os mesmos direitos que outros cidadãos brasileiros.

Na Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo há uma Comissão Especial que apura denúncias contra LGBT, com base na Lei Estadual 10.948/2001, que pune administrativamente casos de discriminação em razão da orientação sexual e da identidade de gênero. Os casos de maior incidência de denúncias para a Comissão Especial referem-se à repressão do uso de banheiros femininos em locais públicos por transexuais e travestis e de manifestações de afeto entre pessoas do mesmo sexo em locais públicos. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo possui uma unidade específica que presta assessoria jurídica para estes casos que envolvem tais denúncias administrativas.

Apesar da indubitável importância desse trabalho em torno da aplicação da Lei 10.948/2001, é necessário salientar a existência de um viés político na aplicação da política pública referente a casos que envolvem repressão à intolerância e homofobia. As atividades de repressão policial e de averiguação do trabalho de investigação nas delegacias, para saber se os cidadãos e cidadãs LGBT estão tendo os direitos minimamente respeitos, estão muito aquém do que deveria ser feito.

* Eduardo Piza Gomes de Mello – Advogado, especialista em Direito Público, membro da ONG Instituto Edson Neris IEN e diretor do SASP – Sindicato dos Advogados de São Paulo.

1-  Publicado no site
2- Publicado no site

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Homofobia: discussão evoluiu, mas Brasil é campeão em crimes

Jessica  Freitas 

http://noticias.terra.com.br/brasil/homofobia-discussao-evoluiu-mas-brasil-e-campeao-em-crimes,8310ccc080c5b410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html

Primeira vítima (divulgada) de homicídio por homofobia no Brasil morreu em fevereiro de 2000. Quinze anos depois, muito pouco se avançou, na prática, para reduzir quantidade de crimes

Há exatos 15 anos, o adestrador de cães Edson Néris da Silva foi espancado até a morte em plena Praça da República, no Centro da capital paulista. Esse foi o primeiro caso de crime homofóbico a ser amplamente divulgado pela imprensa nacional. Edson foi o primeiro, mas não foi o último.
Segundo o Grupo Gay da Bahia, que, na ausência de informações oficiais sobre uma prática que não é discriminada nos boletins de ocorrência, é considerado referência sobre o tema no País, o Brasil é o campeão mundial de crimes homo-transfóbicos. 
Anualmente, a ONG publica relatórios sobre casos de homicídios contra membros da comunidade LGBT. De acordo com o último levantamento, foram documentados 312 assassinatos de gays, travestis e lésbicas brasileiros em 2013, incluindo uma transexual morta no Reino Unido e um gay morto na Espanha. Naquele ano, em média, aconteceu uma morte do tipo a cada 28 horas. 

Ainda segundo o relatório, em 2013, 40% dos assassinatos de transexuais e travestis registrados em todo o mundo aconteceram no Brasil. Pernambuco e São Paulo foram os Estados onde mais crimes do tipo aconteceram em 2013. Na lista dos Estados menos violentos, estão o Acre - onde não houve registro de crime homofóbico naquele ano -, Amapá e Espírito Santo - respectivamente, com uma e duas ocorrências.

Para o advogado Eduardo Piza Mello, que criou o Instituto Edson Néris - em homenagem à vítima do ataque na Praça da República -, muita coisa mudou de poucos anos para cá. "O que era considerado indecente e imoral, hoje é aceitado legalmente e socialmente, como o casamento, a união estável. Isso seria impossível há cinco anos, por exemplo", explica.

Mas Piza nega que tais avanços tenham reduzido o número de crimes de ódio contra homossexuais. "A (lei) Maria da Penha não reduziu o número de crimes contra mulheres: é um instrumento a mais. Com a discussão sobre homofobia, acontece a mesma coisa com os gays: os crimes não diminuem, necessariamente. Em números reais, não houve redução", afirmou. 

O professor Luiz Mott, antropólogo da Universidade Federal da Bahia, é o coordenador da pesquisa feita pelo Grupo Gay da Bahia. De acordo com ele, "tais números (registrados no relatório) representam apenas a ponta de um iceberg de violência e sangue". Isso porque o banco de dados coletado pela ONG é construído a partir de notícias de jornal, internet e informações enviadas por outras ONGs.

Não identificação e liberdade
Em apenas 33% dos casos observados, referentes a 2013, os autores dos crimes foram identificados, sendo que, em 67%, não há informação sobre a captura dos criminosos. Um exemplo de impunidade é o caso de Edson Néris. Na época, a polícia chegou a prender 18 suspeitos. No julgamento, alguns foram condenados a 21 anos de prisão por crime de formação de quadrilha e homicídio triplamente qualificado. Beneficiados pela progressão das penas, todos já estavam em liberdade em 2010.


Piza alerta ainda que no Estado de São Paulo, com mais de 40 milhões de habitantes, há apenas uma Delegacia de Combate aos Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi). Localizada na Luz, funciona das 9h às 19h e não atende aos finais de semana. "Você acha o suficiente? É claro que não é", disse o advogado.

O crime contra Edson Néris pode ter sido o responsável por acrescentar o termo "homofobia" aos noticiários, mas estar em evidência é apenas o primeiro passo para que ocorra uma alteração na cultura da população e nas leis do País. 

Além disso, o criador do Instituto Edson Néris alerta que a sociedade vê as mortes homofóbicas de maneiras diferentes. "Se um gay universitário de pele branca morre em algum ataque homofóbico, ele é visto como vítima e a sociedade se sensibiliza. Se é uma travesti, se ela era profissional do sexo, parece que a vida dela vale menos que a do outro", alerta o advogado. 

"Costumamos dizer que a violência existe para todos e não faz qualquer distinção. É um problema social. O que nos cabe é a discussão e a preocupação com os grupos vulneráveis", conclui. 

Os relatórios anuais do Grupo Gay da Bahia são publicados geralmente no mês de março, portanto não se sabe ainda qual foi a quantidade de crimes registrados no ano passado. Porém, um levantamento preliminar revelou que, apenas em janeiro de 2014, foram documentados 42 homicídios contra homossexuais, um a cada 18 horas. Logo, 2014 pode ter sido ainda mais violento que o ano anterior para a comunidade LGBT, o que confirma que os avanços não significam menos crimes.