segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Desapareceram R$ 6,4 mi em doações do CNJ a tribunais

Acaba de ser publicada matéria na Folha de São Paulo de hoje, dia 30.01.2012, noticiando desaparecimento de bens que foram doados pelo CNJ aos Tribunais Estaduais. Leia abaixo o seu inteiro teor.

Eis então uma das razões da crise instaurada no seio do Poder Judiciário. Uns doam bens para melhorar a eficiência do trabalho do Poder Judiciários e outros desaparecem com os bens doados.  Dá para entender quem é o bonzinho e quem é o bandido? Boa leitura.



"R$ 6,4 mi em doações do CNJ a tribunais desapareceram
Cortes não sabem onde foram parar bens como computadores e impressoras
Outros R$ 2,3 mi estão 'ociosos', de acordo com relatório do conselho; material foi doado para dar agilidade à Justiça

LEANDRO COLON
FELIPE SELIGMAN
DE BRASÍLIA

Uma investigação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) descobriu que em torno de R$ 6,4 milhões em bens doados pelo órgão a tribunais estaduais desapareceram.

Relatório inédito do órgão, a que a Folha teve acesso, revela que as cortes regionais não sabem explicar onde foram parar 5.426 equipamentos, entre computadores, notebooks, impressoras e estabilizadores, entregues pelo CNJ para aumentar a eficiência do Judiciário.

A auditoria mostra ainda que os tribunais mantêm parados R$ 2,3 milhões em bens repassados. Esse material foi considerado "ocioso" pelo conselho na apuração, encerrada no dia 18 de novembro.

O CNJ passa por uma crise interna, envolvendo, entre outras coisas, a fiscalização nos Estados, principalmente os pagamentos a magistrados. A conclusão da auditoria revela que o descontrole no uso do dinheiro pelos tribunais pode ir além da folha de pagamento.

Diante da situação, o CNJ decidiu suspender o repasse de bens a quatro Estados: Paraíba, Tocantins, Rio Grande do Norte e Goiás.

Os três primeiros estão com um índice acima de 10% de bens "não localizados", limite estabelecido para interromper o repasse. Já o tribunal goiano, segundo a auditoria, descumpriu regras na entrega de seus dados.

Além desses quatro, a investigação atingiu outros 12 Estados que, numa análise preliminar, também apresentaram irregularidades.

NOVA INVESTIGAÇÃO

Desses, apenas Espírito Santo e Rio Grande do Sul encontraram todos os bens. Os demais não foram punidos com bloqueio, mas têm até maio -quando uma nova auditoria será feita- para mostrar as providências que estão tomando para localizar os equipamentos.

Os R$ 6,4 milhões em bens não encontrados englobam todos esses tribunais auditados. No relatório, o CNJ ressalta que "trata-se de recursos públicos que estão sendo distribuídos ao Poder Judiciário com um objetivo específico: informatizar o Poder Judiciário a fim de tornar a Justiça mais célere".

A investigação do conselho abrangeu um universo de R$ 65 milhões em bens doados entre 2010 e 2011.

A prática do CNJ de doar material aos tribunais foi regulamentada em 2009.

Segundo a resolução, "o CNJ poderá destinar recursos ou oferecer apoio técnico aos tribunais com maior carência, visando o nivelamento tecnológico". Cabe à Comissão de Tecnologia e Infraestrutura definir os critérios.

O tribunal da Paraíba é o campeão de equipamentos desaparecidos. O valor chega a R$ 3,4 milhões, pouco mais da metade do que o CNJ não localizou no País. De acordo com o conselho, 62% do que foi doado à corte paraibana tomou um destino incerto. "

Brasileiro bonzinho mas os índices são reveladores.

Na semana passada fui acordado pelo meu companheiro que estava entusiasmado com a leitura que havia acabado de fazer de um artigo assinado pelo professor Naercio Menezes Filho do Centro de Políticas Públicas do Insper e da FEA-USP, intitulado Educação, Bolsa Família e desigualdade, publicado no jornal VALOR da sexta feira anterior, 20.01.2012, cujo texto segue abaixo.

Depois de seus acalorados comentários não resisti e eu mesmo li o artigo, que é de fato muito interessante. Os índices nele trazidos são alarmantes e, ao mesmo tempo, animadores, na medida que com tais índices pôde-se fazer comparações e análises de economia e da vida da população brasileira, com especial ênfase para a distribuição de renda.

A partir de tais informações eu então ousei fazer um quadro comparativo para que melhor conhecessemos as diferenças entre 1960/1970 e a década de 2000 a 2010 no Brasil.

Decadas de 60 e 70
Décadas de 90 a 10
1961 a 1970 - Taxa de crescimento média do PIB 3,2%
2001 a 2010- Taxa de crescimento média do PIB 2,4%
Durante os anos 70, o PIB per capita cresceu em média 6%, aumentando o pique da década anterior, mas a desigualdade não se alterou muito.

1961 a 1970 - Índice Gini * aumentou de 0,49 para 0,57
2001 a 2010 -Índice Gini * declinou de 0,58 para 0,53
1961 a 1970 - Renda dos 10% mais ricos cresceu 66%
2001 a 2010 -Renda dos 10% mais ricos cresceu 18%
1961 a 1970 - Renda dos 10% mais pobres crescei 28%
2001 a 2010 - Renda dos 10% mais pobres cresceu 100%
Em 1970, 84% da população tinha no máximo o nível primário. Apenas 50 mil pessoas concluíram o ensino superior naquele ano, num país com 92 milhões de habitantes
Entre 1995 (com a estabilidade econômica) e 2009 a escolaridade média dos 20% mais pobres dobrou, passando de dois para quatro anos de estudo

Assim, a renda familiar per capita média dos 20% mais pobres era de apenas R$ 35 em 1992, passou para R$ 50 em 2001 e R$ 85 em 2009. A renda per capita não oriunda do trabalho (transferências governamentais) passou de apenas R$ 4 em 1992 para R$ 10 em 2001 e R$ 24 em 2009, ou seja, aumentou 500%!








































(*O Coeficiente de Gini é uma medida de desigualdade desenvolvida pelo estatístico italiano Corrado Gini, e publicada no documento "Variabilità e mutabilità" ("Variabilidade e mutabilidade" em italiano), em 1912. É comumente utilizada para calcular a desigualdade de distribuição de renda mas pode ser usada para qualquer distribuição. Ele consiste em um número entre 0 e 1, onde 0 corresponde à completa igualdade de renda (onde todos têm a mesma renda) e 1 corresponde à completa desigualdade (onde uma pessoa tem toda a renda, e as demais nada têm). O índice de Gini é o coeficiente expresso em pontos percentuais (é igual ao coeficiente multiplicado por 100). Enquanto o coeficiente de Gini é majoritariamente usado para mensurar a desigualdade de renda, pode ser também usado para mensurar a desigualdade de riqueza. Esse uso requer que ninguém tenha uma riqueza líquida negativa.) vide Wikipedia .

Ao final o autor faz a seguinte indagação: Como a sociedade brasileira permitiu que 20% da sua população sobrevivesse com uma renda per capita média de apenas R$ 35 por mês até o início da década de 90?

Podemos fazer muitas ilações e desenvolver teorias sócio economicas para justificar a renda e a qualidade de vida do povo brasileiro no curso de sua história. Porém, não conseguiremos responder com retórica uma pergunta tão objetiva como esta acima a não ser com direta menção ao poeta Cazuza que declara que "a burguesia fede".



E ainda tem gente que reclama pela enorme quantidade de pessoas que estão lotando os aeroportos, com a melhoria de sua qualidade de vida e consumo; reclamam e fazem críticas contra o programa Bolsa Família sob o pálio que tal programa estaria a incitar "vagabundos" que deixam de trabalhar para passar a receber "esmola" do governo. Se a esmola do governo (que é uma mixaria) é mais interessante que o salário até então pago ao trabalhador, parece que nos deparamos com trabalho quase escravo, não é não?

São também feitas criticas contra as cotas raciais e sociais nas universidades públicas e no Programa Pro Uni, sob a alegação que eles estariam provocando cultura de racismo e segregação social, etc. Mas, em 1970 apenas 50 mil pessoas concluíram curso superior, conforme quadro acima e texto abaixo.

A burguesia brasileira, e de reboque a classe média "Miami I love you", além da grande imprensa, estão todas acostumadas a viver na casa grande de um país cheio de escravos e miseraveis,  e estão se sentindo inseguras com as mudanças sociais que hoje estão acontecendo. E olha que a coisa pode ficar pior. Não se fala ainda de tributação do capital nem das grandes fortunas.

 Vamos ao texto:

Educação, Bolsa Família e desigualdade

Jornal Valor de 20.01.2012
Por Naercio Menezes Filho
Nos últimos 15 anos, a sociedade brasileira tem conseguido conciliar, pela primeira vez em sua história recente, crescimento econômico com progresso social. Isso tem chamado a atenção de analistas no Brasil e no resto do mundo. Afinal, na época do chamado "milagre econômico", o país também cresceu muito, a pobreza caiu, mas a distribuição de renda piorou. Hoje em dia, o crescimento também traz redução da pobreza, mas agora a renda dos mais pobres cresce muito mais rapidamente do que a dos mais ricos. Qual o segredo?

Duas grandes mudanças aconteceram. Nos anos 60 não havia programas de transferência de renda e, naquela época, os avanços educacionais aconteciam primordialmente entre os mais ricos.

Entre 1961 e 1970 a taxa de crescimento média do Produto Interno Bruto (PIB) per capita (em termos reais) foi de 3,2%. Porém, o índice de Gini (indicador mais tradicional de desigualdade) aumentou de 0,49 para 0,57. Entre 2001 e 2010, o PIB per capita aumentou 2,4%, mas o Gini declinou de 0,58 para 0,53. Vale notar que o índice de 0,53 ainda nos deixa muito distante dos países civilizados. França, Holanda, Finlândia, Suécia e Dinamarca têm índices em torno de 0,32. Entre 1960 e 1970, a renda dos 10% mais ricos no Brasil cresceu 66% e a renda dos 10% mais pobres apenas 28%. Entre 2001 e 2009, o processo inverte-se. A renda dos mais pobres cresceu 100%, enquanto a dos mais ricos, apenas 18%. Milagre?

A primeira explicação é que nos anos 60 a demanda por educação crescia a um ritmo superior à oferta, pois o aprofundamento da industrialização requeria trabalhadores qualificados que não existiam na época. Em 1970, 84% da população tinha no máximo o nível primário. Apenas 50 mil pessoas concluíram o ensino superior naquele ano, num país com 92 milhões de habitantes. Isso fez com que os salários da pequena parcela da população que tinha ensino médio ou superior aumentassem muito, o que provocou o aumento da desigualdade. Com as décadas perdidas de 80 e 90 veio o desemprego e a informalidade, e a desigualdade de renda gerou criminalidade.

Durante os anos 70, o PIB per capita cresceu em média 6%, aumentando o pique da década anterior, mas a desigualdade não se alterou muito. A década de 80 foi perdida em termos de PIB (crescimento médio de 0,85%) e de educação, enquanto a escalada inflacionária aumentava a desigualdade. Em termos educacionais, o número de concluintes no ensino superior estacionou em 220 mil pessoas durante toda a década. As matrículas no ensino médio (antigo segundo grau) aumentaram somente 25% em uma década. Período de trevas.

Mas, a partir de meados da década de 90, as coisas começaram a melhorar. Entre 1995 (com a estabilidade econômica) e 2009 a escolaridade média dos 20% mais pobres dobrou, passando de dois para quatro anos de estudo. Interessante notar que entre os 20% mais ricos, a escolaridade também aumentou dois anos em média (de oito para dez). Mas, a razão entre a escolaridade média dos dois grupos caiu de 4 para 2,5. A situação dos pobres era tão ruim, que mesmo um aumento que os levou para ensino primário completo em pleno século XXI pode ser considerado um grande progresso.
Quanto essa evolução educacional explica da queda da desigualdade? Os dados mostram que a educação foi responsável por 38% do crescimento da renda do trabalho entre os 20% mais pobres. O restante decorreu de aumentos do salário mínimo e geração de empregos formais. Além disso, a educação explica 42% da queda da desigualdade em termos de renda do trabalho e 26% em termos de renda familiar (incluindo as rendas de outras fontes) entre 2001 e 2009.

Com relação ao programa Bolsa Família, a história é parecida. Como os mais pobres tinham uma renda familiar per capita muito reduzida no início da década de 90 e não recebiam nenhuma transferência do governo, qualquer valor recebido teria um impacto muito grande sobre sua renda. Assim, a renda familiar per capita média dos 20% mais pobres era de apenas R$ 35 em 1992, passou para R$ 50 em 2001 e R$ 85 em 2009. A renda per capita não oriunda do trabalho (transferências governamentais) passou de apenas R$ 4 em 1992 para R$ 10 em 2001 e R$ 24 em 2009, ou seja, aumentou 500%!

Em suma, o avanço social registrado nos últimos anos ocorreu basicamente porque as pessoas das classes mais baixas eram totalmente desassistidas pelo Estado, tanto em termos educacionais como em termos de transferências de renda até o início dos anos 90. Assim, os avanços mínimos ocorridos nessas áreas tiveram impacto substancial na desigualdade. Porém, ainda teremos que percorrer um longo caminho para atingirmos um padrão em que as oportunidades sejam iguais para todos e independentes do berço.

Restam duas perguntas. Como a sociedade brasileira permitiu que 20% da sua população sobrevivesse com uma renda per capita média de apenas R$ 35 por mês até o início da década de 90? Por que nossa presidente parece obcecada com uma taxa de crescimento do PIB de 4%, quando, na verdade, a renda dos mais pobres, que elegem os políticos, está crescendo muito mais do que isso? Alguém arrisca uma resposta?

Naercio Menezes Filho, professor titular - Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, é professor associado da FEA-USP e escreve mensalmente às sextas-feiras naercioamf@insper.edu.br