terça-feira, 27 de março de 2012

Entidade de Advogados repudia projeto de lei homofóbico da Cidade do Rio de Janeiro.

Nota de Repúdio


a Projeto de Lei que impede Educação sobre Diversidade Sexual



O GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual, vem a público repudiar o projeto de lei n.º 1.082/2011, proposto perante a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, que visa tornar “vedada a distribuição, a exposição e a divulgação de livros, publicações, cartazes, filmes, vídeos, faixas ou qualquer tipo de material, contendo orientações sobre a diversidade sexual nos estabelecimentos de Ensino Fundamental e de Educação Infantil da rede pública municipal da Cidade do Rio de Janeiro” (art. 1º), assim entendido “todo aquele [material] que, contenha orientações sobre a prática da homoafetividade, de combate à homofobia, de direitos de homossexuais, da desconstrução da heteronormatividade ou qualquer assunto correlato” (art. 1º, parágrafo único).

A educação visando o respeito à diversidade sexual nas escolas, introduzindo os conceitos de orientação sexual, identidade de gênero, homossexualidade, heterossexualidade, bissexualidade, travestilidade e transexualidade, bem como ensinando crianças e adolescentes a respeitarem outras pessoas independentemente de serem elas homossexuais, heterossexuais, bissexuais, travestis ou transexuais, constitui medida da mais alta importância para se combater a nefasta prática do bullying homofóbico e transfóbico que lamentavelmente assola as escolas brasileiras – como comprova o caso do adolescente que foi agredido em escola do município de Santo Ângelo/RS pelo simples fato de se declarar gay[1].

Como se sabe, nossa Constituição afirma constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inc. I), bem como promover o bem-estar de todos, sem preconceitos de quaisquer espécies (art. 3º, inc. IV), a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, inc. II) e garantir o direito fundamental à segurança de todas as pessoas que se encontrem no Estado Brasileiro (art. 5º, caput). Ademais, a Constituição impõe também ao Estado o dever de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à educação, à dignidade e ao respeito, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227), ao passo que a legislação ressalta o direito de crianças e adolescentes direito ao desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência (art. 7º da Lei n.º 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente), bem como estabelece como princípio educacional o respeito à liberdade e o apreço à tolerância (art. 3º, inc. IV, da Lei n.º 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases).

Nesse sentido, o referido projeto de lei afigura-se flagrantemente inconstitucional e ilegal, por claramente visar impedir uma educação inclusiva em prol do fortalecimento do valor do respeito ou, no mínimo, do valor da tolerância nas crianças e adolescentes de hoje relativamente à população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), impedindo assim uma sociedade justa e solidária no sentido de sem preconceitos de orientação sexual e de identidade de gênero. Referido projeto é inconstitucional e ilegal, ainda, por violar o direito fundamental da população LGBT a uma sociedade segura, por impedir que seja fornecida uma educação às alunas e aos alunos de hoje que ensine o dever de respeito e tolerância independentemente da orientação sexual e da identidade de gênero do(a) próximo(a), o que impossibilita a construção de um ambiente sadio e harmonioso à saúde psicológica de alunos(as) que se considerem LGBT.

Cabe lembrar que a ONU (Organização das Nações Unidas) aprovou, em 17/06/2011, a histórica Resolução sobre “direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero”, demonstrando a preocupação das Nações Unidas contra a discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero que ocorre ao redor do mundo[2], sendo que Resolução análoga já havia sido aprovada pela OEA (Organização dos Estados Americanos) em 25/05/2009, a qual reconhece a grave situação de violação a direitos humanos que enfrentam as pessoas LGBT por causa de sua orientação sexual e identidade de gênero[3], que conclamou os Estados Americanos a adotar todas as medidas necessárias para assegurar que não sejam cometidos atos de violência ou outras violações de direitos humanos contra pessoas em decorrência de sua orientação sexual e identidade de gênero (item 2), bem como a combater as discriminações respectivas (item 3). Sem falar nos Princípios de Yogyakarta, cujo princípio n.º 16 demanda por uma educação sem discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero (caput) que seja direcionada ao desenvolvimento da personalidade de cada estudante, atendendo-se às necessidades de todas as orientações sexuais e identidades de gênero (alínea “b”), mediante uma educação que direcionada ao desenvolvimento do respeito aos direitos humanos e do respeito aos pais e membros da família de cada criança, identidade cultural, língua e valores, num espírito de entendimento, paz, tolerância e igualdade, levando em consideração e respeitando as diversas orientações sexuais e identidades de gênero (alínea “c”) e, ainda, uma educação que garante que os métodos educacionais, currículos e recursos sirvam para melhorar a compreensão e o respeito pelas diversas orientações sexuais e identidades de gênero, incluindo as necessidades particulares de estudantes, seus pais e familiares relacionadas a essas características (alínea “d”)[4]. Logo, cabe ao Estado Brasileiro garantir uma educação de respeito e tolerância às pessoas LGBT, donde referido projeto de lei também atenta contra os direitos humanos da população LGBT.

Ademais, a desconstrução da heteronormatividade, entendida como a ideologia que prega que a heterossexualidade seria a única sexualidade “sadia”, “digna” e/ou “aceitável”, afigura-se como medida da mais alta importância para a desconstrução de preconceitos e estereótipos lamentavelmente ainda existentes contra a homossexualidade, a bissexualidade, a travestilidade, a transexualidade e, em suma, toda forma de expressão da sexualidade que não se adeque à heterossexualidade compulsoriamente imposta pela ideologia heterossexista. Logo, a educação escolar deve, necessariamente, trabalhar este tema.

Esperamos, assim, que referido projeto não seja convertido em lei e, caso o seja, venha a ser declarado inconstitucional pelo Poder Judiciário, na medida em que constitui uma medida de clara discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais da população LGBT, lembrando-se que tal forma de discriminação é expressamente vedada pelo art. 5º, inc. XLI, da CF/88.


GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual