sábado, 9 de novembro de 2013

HOMOAFETIVIDADE - PERFUME DESBICHALIZADOR E DESSAPATALIZADOR


Recentemente vi num blog GLS, que tratava de literatura homoerótica, bichosa, viadosa, sapatosa, travestidosa, transvestuda etc e tal, o uso dos seguintes termos: literatura homoafetiva, poética homoafetiva e temática homoafetiva. Quase tive um troço. 

Toda vez que leio ou ouço este termo (homoafetivo) meu corpo sente um calafrio, um arrepio e por fim tenho uma convulsão que atinge até a alma. 

Agora, a homoafetividade virou adjetivo de qualquer coisa relacionada à viadagem e à sapataria. Até as pobrezinhas das irmãzinhas trans, que não tem nada a ver com orientação sexual (o negócio delas é identidade de gênero) estão com a pecha da homoafetividade. 

Conheço uma advogada em São Paulo, especializada em direito viadal, sapatal e transexual, que gosta de chamar gays, lésbicas, travestis e transexuais de "homoafetivos". Que fofo e meigo, não é? 

Já pensou? O cara, ou a cara, é solteiro, ou solteira, não quer namorar, o negócio deles é o bas fond (ou bafão), cinemão, banheirão, sauna, putaria e boite, mas para serem respeitados precisam fazer de conta que tem afeto por outros do mesmo sexo. Uma invenção para batizar, higienizar, moralisar e tornar aceitável a viadagem e a sapataria.

Ninguém merece. Quer dizer que se ele ou ela não casar nem namorar com ninguém, mas só quiser viver de sexo casual, eles não merecem respeito como cidadãos? Que seus direitos sexuais não existem? Só vale se transarem com afeto? Me poupem.

Para mim este termo é como se fosse um líquido desbichalizador, ou dessapatalizador que a gente passa nas partes íntimas, um detergente que perfuma e quer esconder o cheiro do nosso sexo, por que incomoda o narizinho dos heteronormativos. Tão ruim quanto um detergente de banheiro de rodoviária, metrô ou terminal de ônibus.




Nestes momentos eu me socorro do jurista Roger Raupp Rios, num trecho de seu texto As Uniões Homossexuais e a Família "homoafetiva" (clique aqui) que explica bem direitinho o que vem a ser esta monstruosidade ideológica heteronormativa chamada homoafetividade.  


Muita gente que emprega este termo não sabe o seu significado e suas implicações. A comunidade jurídica - por total ignorância é claro - fica repetindo, e até os Ministros do Supremo (STF) o usaram em suas decisões.

Vai dar um trabalho danado ensinar direito sexual. Talvez se passarem a ser chamados de heteroafetivos, mudem de idéia. Conheço muito hetero que não tem afeto nem por si próprio e fica desfilando sua normalidade heterossexual para cima e para baixo sem qualquer  identificação familista ou afetiva. E ninguém tem nada com isto.

Direito Civil é para todo mundo e não tem esta de fazer diferenciação entre afeto de hetero e afeto de gays. Eu acho que o afeto é importante, mas não é o assunto em pauta. O reconhecimento do direito sexual de LGBT (com ou sem afeto) é o que importa. E isto implica em respeito à sexualidade, à identidade, à privacidade. Enfim, à dignidade da pessoa humana.

Depois de  uma breve leitura do texto eu então volto ao meu normal.  Afinal, ninguém é de ferro.

"Neste sentido, sem deixar de reconhecer as intenções antidiscriminatórias presentes na cunhagem do termo, não é por acaso que se disseminou o uso do termo “homoafetividade”. Trata-se de expressão familista que muito dificilmente pode ser apartada de conteúdos conservadores e discriminatórios, por nutrir-se da lógica assimilacionista, sem o que a “purificação” da sexualidade reprovada pela heterossexualidade compulsória compromete-se gravemente, tudo com sérios prejuízos aos direitos sexuais e à valorização mais consistente da diversidade sexual.
Registre-se, por fim, que, em sua manifestação mais direta, este discurso tangencia o conservadorismo, na medida em que a orientação sexual necessita ser “higienizada” de conteúdos negativos (promiscuidade e falta de seriedade) que, a contrario sensu da hegemonia heterossexual, se associam à homossexualidade.
Os riscos inerentes a perspectiva fraca dos direitos sexuais tem relação direta com o contexto jurídico em que proferido o julgamento. Eles se colocam pelo modo como os operadores jurídicos, acadêmicos e a sociedade em geral receberão as conclusões do julgado, mais do que dos termos em que expressos os diversos votos, ainda que, em alguns deles, esta tensão se apresente.
A breve e recente história dos direitos sexuais no Brasil revela a recorrência ao direito de família como fundamentação para o reconhecimento de direitos de homossexuais, fenômeno que designo como “familismo jurídico”."