Texto primosoro que nos conduz à reflexão sobre a violência contra as mulheres que se encerra na manutenção da criminalização do aborto e na contradição de uma campanha da fraternidade que busca melhoria e democratização da saúde pública, enquanto que para a mulher exercer plenamente seus direitos sobre seu corpo e seus direitos reprodutivox, a criminalização do aborto continua sendo o grande obstáculo opressor e violador de direitos humanos. Boa leitura a todas.
Para defender a vida de milhares de mulheres que sofrem com as danosas conseqüências de uma criminalização indevida, o movimento feminista reivindica a legalização do aborto no Brasil. A proibição do procedimento, como constantemente noticiado e corroborado por pesquisas, tem afetado de forma brutal as mulheres, atingindo mais as pobres, as negras, as jovens – aquelas que já são cruelmente oneradas com injustiças diversas. Os segmentos da sociedade que são contrários à legalização do aborto – como alguns setores religiosos, especialmente cristãos conservadores -, fazem uma cruzada violenta (e nada santa!) contra a modificação da lei. Entre esses, a poderosa voz da Igreja católica se sobressai. Não é para menos, afinal é a única instituição religiosa que se confunde com um Estado e que, inclusive, tem assento na Organização das Nações Unidas - uma estranha mistura de fé e luta por poder terreno que causa espanto. Um dos principais argumentos da Igreja católica contra o direito ao aborto se centra na defesa da vida. Obviamente, nunca se trata da defesa da vida das mulheres, já que, por princípio, elas são sempre tidas como pecadoras, impuras, e por isso merecem castigo! A vida deve ser preservada a qualquer custo, clamam. E vislumbram o inferno repleto de pessoas favoráveis a que as mulheres possam decidir sobre seu corpo e salvar sua própria vida. A Campanha da Fraternidade deste ano, com um tema de altíssima relevância social – acesso à saúde pública pelos mais necessitados -, vem com o lema: Que a saúde se difunda sobre a terra (cf. Eclo 38,8). Na apresentação do texto base da CF, lê-se: “É uma realidade que clama por ações transformadoras. A conversão pede que as estruturas de morte sejam transformadas.” Concordamos. E perguntamo-nos perplexas: o que aconteceu ao cardeal que empunhava – aparentemente com intimidade e regozijo! – uma arma pesada? A fotografia do cardeal com “sua” arma, que já circula há algum tempo na internet, é reveladora. Revela, na verdade, uma retórica vazia e falsa de defesa da vida. Revela a intimidade de um cardeal paramentado com um artifício bélico. Revela o compromisso do Vaticano (que também vem enfrentando escorregadiamente acusações de escândalos financeiros) com a hipocrisia e a dupla moral. Afinal, se o santo cardeal cometeu um “deslize”, quem viu uma bronca pública ou uma explicação oficial? No entanto, a condenação das mulheres é reiterada publicamente a todo o momento. Aliás, também nos cabe perguntar por que motivo a grande mídia brasileira não repercute de forma expressiva as notícias que envolvem a Igreja católica, como esta foto do cardeal e o suposto escândalo nas finanças vaticanas, assim como silenciou por dois anos sobre o acordo do Brasil com a Santa Sé. Parece que a explosiva mistura fé-poder tem suas mil ramificações em plagas insuspeitas! E quem ganha com isso? Certamente não são as mulheres! É por isso que uma simples foto é tão reveladora. Ela evidencia que a defesa intransigente e artificial da vida do feto desde a concepção é apenas mais uma das falácias utilizadas para dominar mentes e corpos. É mais uma hipocrisia que se joga sob o tapete, com a pose ostensiva de guardiães da vida, da moral e do “bem”. E, por causa da disputa pelo controle do corpo e da sexualidade das mulheres, vale tudo e faz-se tudo o que mais se condena. Como mulheres católicas, incluímos, entre as estruturas de morte que devem ser transformadas, uma das principais causas de mortalidade materna em nosso país: a criminalização do aborto! A maternidade não pode mais deixar de ser um direito prazeroso para ser uma obrigação mortal! O corpo das mulheres é um campo de batalha. Entre mortas e feridas, sempre estão negras, pobres e jovens. 8 de Março de 2012 Católicas pelo Direito de Decidir |