O advogado José Eduardo Tavolieri de Oliveira, Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo e Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB SP, que participava de uma mesa, ao lado do renomado jurista Alvaro Villaça, que fazia uma palestra sobre união entre pessoas do mesmo sexo, no último dia 05.08.2010, soltou as seguintes pérolas:
"embora eu possua inclusive amigos gays" ..... "recebi uma educação séria e rigida"......"sou de uma época em que homem gostava de mulher e vice-versa"....."não me sinto à vontade quando saío com minha filha pequena e vejo dois homens se beijando, pois não sei o que dizer"...
Por fim, dirigiu-se a Alvaro Villaça e indagou-lhe:
"Não seria o caso de se emendar o art. 5º, inc. I, da CF/88 para se declarar que homens, mulheres, gays, lésbicas e simpatizantes são iguais perante a lei".
A mesa aconteceu na sede da OAB SP e as observações de Oliveira foram feitas na fase dos debates. A reação foi imediata e um grupo de advogados e de outros operadores de direito que estudam e dedicam parte de seu valioso tempo a questões de direitos dos LGBTs manifestaram indignação com as declarações do ilustre advogado, emitindo uma NOTA DE REPÚDIO, cujo inteiro teor segue no final do post.
A Ordem dos Advogados do Brasil é uma instituição de revelantes serviços prestados ao país e ao povo. Todos sabemos o quão importante foram suas ações de resistência democrática durante o período da ditadura militar, como uma das poucas entidades, juntamente com a Igreja Católica e a ABI, que podiam exercer alguma reação em face da didatura e dos seus descalabros, como prisões ilegais, torturas, assassinatos e desaparecimento de presos.
Foi na sede da OAB no Rio de Janeiro que uma bomba explodiu, matando a secretária Dona Lyda Monteiro, há 30 anos (vide foto ao lado), pois era a OAB quem tinha coragem de resistir contra a opressão, a ilegalidade, a violência do regime militar e exigir o retorno à democracia no país.
No período do impeachment de Fernando Collor de Mello, no começo da década de 90, foi a OAB, junto com a ABI, que solicitou a abertura do processo de impedimento do então presidente da República. Outros fatos grandiosos e personagens ilustres se confundem com a história desta entidade, da qual eu tenho orgulho de fazer parte.
Espero que OAB de São Paulo, fiel à sua tradição democrática e de respeito aos Direitos Humanos, venha corrigir imediatamente o mal estar causado com as afirmações do advogado José Eduardo Tavolieri de Oliveira, deixando claro que não endossa esta sucessão de "batatadas". Ofensas à honra e à dignidade de cidadãos homossexuais, além das piadas ruins do Professor Villaça.
Aliás, a OAB SP já está em dívida com a comunidade LGBT, há pelo menos cinco anos, desde quando se aguarda a instituição da Comissão de Diversidade LGBT. Até agora nada foi feito, senão a formação de uma "Sub Comissão" vinculada à Comissão de Negro e de Assuntos Discriminatórios - de curta vida - e, recentemente, de um Comitê de Diversidade, vinculado à Comissão de Direitos Humanos. Comissão mesmo, que é bom, com autonomia, representatividade e atividade, só em outras seções do Brasil afora. Aqui ainda não.
É bom que se lembre que no Estado de São Paulo há um advogado para cada 203 habitantes, segundo o levantamento do Conselho Federal da OAB em 2008, (leia aqui). A população estimada para São Paulo, segundo o censo, é de 41.400.000, o que perfaz um total aproximado de 204 mil advogados paulistas.
Se o relatório do Dr. Kinsey de 1948 ainda estiver valendo, há pelo menos dez por cento destes ilustres causídicos, 20.400 advogados, que são gays ou lésbicas. Ou, como diria o Dr. José Eduardo Tavolieri de Oliveira não são homens nem mulheres. Mas são obrigados a pagar as anuidades, como qualquer outro inscrito na ordem.
Quem não tiver preconceitos e souber respeitar a livre orientação e a dignidade das pessoas LGBTs poderá atrair para si este valioso nicho de profissionais da advocacia, nas próximas eleições da Seção. Hoje os advogados e as advogadas também estão saindo do armário com enorme velocidade e, quem fica parado é poste, segundo José Simão. Como diz um bordão que eu acabei de inventar: "Se o advogado for gay, sair do armário é de lei".
Quanto à dúvida do Dr. José Eduardo Tavolieri de Oliveira sobre o que dizer à sua filha, quando virem dois homens. ou duas mulheres se beijando, a resposta é fácil e está na Bíblia. Diga a verdade, por que a verdade vos libertará:
"Filhinha, veja como aquelas duas pessoas se amam, assim como o papai e a mamãe."
Por fim, mas não de menor importância, uma observação quanto ao Professor Villaça: piadas nunca foram o seu forte. Seria melhor tratar o assunto tão somente com seriedade.
Segue a nota de repúdio -
03/09/2010 Nota de Repúdio
O GADvS - Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual, vem, pela presente, declarar o seu mais absoluto repúdio às manifestações de cunho nitidamente homofóbico externadas pelo Dr. José Eduardo Tavolieri de Oliveira (OAB/SP n.º 135.658), na palestra sobre União Homoafetiva, realizada no dia 05/08/2010 na sede da OAB/SP, ministrada pelo Eminente Professor Álvaro Villaça Azevedo (OAB/SP n.º 13.595) - homofobia = preconceito ou discriminação contra LGBTs.
Com efeito, o Dr. José Eduardo Tavolieri, em um auditório repleto de estudantes de Direito (ou seja, de bacharéis em formação, que buscam melhor conhecimento participando de eventos da OAB-SP e buscam, por isso, opiniões de juristas em palestras diversas), logo após a finalização do discurso do Dr. Álvaro Villaça, decidiu fazer um aparte para dizer que, embora possua inclusive amigos gays (sic), como se isso fosse uma enorme e benevolente concessão de sua parte, afirmou que recebeu uma educação séria e rigida, [como se os LGBT's não tivessem sido bem educados por suas familias], que é de uma época em que homem gostava de mulher e vice-versa (sic) [como se a homoafetividade não fosse tão antiga como a humanidade], razão pela qual não se sentia à vontade quando saía com sua filha pequena e via dois homens se beijando, pois não sabia o que dizer (sic), em um tom claramente restritivo/contrário às manifestações públicas de afeto entre casais homoafetivos quando ditas manifestações são aceitas/toleradas entre casais heteroafetivos.
Repudia-se, igualmente, a colocação deste mesmo advogado no sentido de que gays não seriam homens e lésbicas não seriam mulheres (sic) e sua conseqüente indagação ao palestrante Prof. Álvaro Villaça se não seria o caso de se emendar o art. 5º, inc. I, da CF/88 para se declarar que homens, mulheres, gays, lésbicas e simpatizantes são iguais perante a lei (sic).
Nesse sentido, o GADvS ratifica as declarações indignadas de pessoas presentes ao evento que, em resposta ao Dr. Tavollieri afirmaram que gays são homens, lésbicas são mulheres e o Dr. José Eduardo Tavolieri é homofóbico (sic). Tal manifestação ensejou resposta do Dr. José Eduardo Tavolieri, que disse que não é homofóbico (!) e que não quis ofender ninguém (!), no que a própria platéia fez um eloqüente som de irônica concordância, deixando clara a hipocrisia de referida fala - pois é obviamente e notoriamente ofensiva a todo e qualquer homossexual (gay ou lésbica) a afirmação segundo a qual o gay não seria um homem e uma lésbica não seria uma mulher... Assim, o GADvS repudia as declarações do Dr. Tavolieri, exposta no parágrafo anterior (destacando-se que não se está repudiando a instituição OAB/SP, mas especificamente o Dr. Tavolieri).
Logo após a manifestação contestatória dos presentes, o Prof. Villaça, dizendo o óbvio, disse que não seria possível a emenda à Constituição Federal, pois todas as pessoas são homens ou mulheres [donde Villaça reconheceu a obviedade segundo a qual gays são homens e lésbicas são mulheres.
Em que pese a correta afirmação supra, desmistificando a ignorância de que gays não seriam homens e lésbicas não seriam mulheres, repudia-se também a postura do Professor Álvaro Villaça pelas diversas piadinhas de cunho nitidamente homofóbico proferidas durante sua palestra, como quando ele, ao se opor à adoção por casais homoafetivos, afirmou que seria estranho a uma criança ter dois pais, afirmando "que a criança vai ter uma mãe com pelos no peito" (sic) e que quando perguntarem para a criança "- Qual o nome do seu pai? José - E da sua mãe? João" (sic), o que fez em um tom nitidamente jocoso, em uma brincadeira de inequívoco mau-gosto que só serve para aumentar estereótipos nitidamente discriminatórios contra os cidadãos homoafetivos [o que passa a ideia de que, por causa da homofobia, não deveríamos combater a homofobia...].
Ressalte-se que o GADvS entende e respeita pessoas que foram criadas em um contexto histórico distinto, pautado por um inconsciente coletivo inequivocamente homofóbico, que (inacreditavelmente) classificava como "verdade universal" a mentira segundo a qual homossexuais seriam pessoas "doentes" e "depravadas", o que a evolução dos tempos tem comprovado não passar de puro preconceito. Contudo, o GADvS não tolera que nenhuma pessoa, independentemente da época em que foi criada, tenha discursos nitidamente preconceituosos, especialmente perante estudantes universitários, que ainda estão em processo de amadurecimento de seu senso crítico e acabam, muitas vezes, aceitando como válidas as afirmações de palestrantes, especialmente quando os mesmos são notoriamente conhecidos como argumentos de autoridade, como o Prof. Álvaro Villaça Azevedo.
Com isso, o GADvS expressa que não está repudiando propriamente o pensamento jurídico do Prof. Álvaro Villaça, que considera que a união homoafetiva não seria uma entidade familiar, mas uma mera "sociedade de fato" (a ser regida pela Súmula n.º 380 do STF, que desvirtua por completo a união familiar para considerá-la como se fosse um mero contrato mercantil), embora o GADvS considere esta posição simplória e desprovida de um raciocínio pautado por conhecimentos basilares de hermenêutica jurídica - como o de que impossibilidade jurídica do pedido só existe quando há enunciado normativo expresso que proíba tal situação (cf. STJ, REsp n.º 820.475/RJ), donde possível é a colmatação da lacuna em questão pelo uso da interpretação extensiva ou da analogia para o reconhecimento da possibilidade jurídica do casamento civil, da união estável e da adoção conjunta por casais homoafetivos (e dizer que a união homoafetiva seria uma hipótese de "casamento inexistente", como faz o Prof. Villaça, é o mesmo que dizer que o pedido de casamento civil/união estável/adoção conjunta por casais homoafetivos seria um pedido juridicamente impossível...).
O GADvS respeita o direito do Prof. Álvaro Villaça de defender a tese jurídica que julgar mais coerente com seu raciocínio jurídico. O que o GADvS não tolera e repudia na postura do Prof. Álvaro Villaça são piadinhas de inequívoco mau-gosto que o mesmo proferiu por elas servirem apenas para difundir ainda mais nefastos estereótipos preconceituosos contra cidadãos e cidadãs homossexuais.
Sem mais para o momento, subscrevemo-nos.
GADvS - Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual
2 comentários:
Parabéns pela matéria.
Abs.
Eduardo, Parabéns!!!]
Adorei sua colocação sobre o papel da OAB em momentos importantes da história recente desse país.
bjs
Heloisa Gama Alves
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